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Projeto Legal denuncia ante a OEA as más condições sistema carcerário do Brasil

Na ocasião, também foi relatada a situação das unidades de internação de adolescentes; a prisão de Lula foi mencionada

Sistema carcerário

A Organização de Direitos Humanos Projeto Legal denunciou antes a Organização dos Estados Americanos (OEA) as más condições do sistema carcerário e das unidades de internação de adolescentes autores de atos infracionais do Brasil, durante a 169ª Sessão de Audiências da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no Colorado, Estados Unidos, no último dia 2 de outubro. O Projeto Legal, junto à parceria da Family for Every Child, foi representado pelos advogados Carlos Nicodemos e Raquel Guerra, que relataram sobre a revista íntima vexatória aos visitantes, a superlotação e as condições insalubres.

A ‘Family for Every Child’ é uma aliança global que reúne 34 organizações de direitos humanos que atuam em defesa da criança e do adolescente de 31 países, como Estados Unidos, Reino Unido, Marrocos, Libéria, Nova Zelândia, Brasil, Chile entre outros.

Participaram da audiência membros da CIDH, o secretário executivo Paulo Abrão e comissionados pela CIDH Esmeralda Troitiño, Antonia Urrejola e Joel Hernández García, ademais de representantes do Estado brasileiro pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e do Ministério dos Direitos Humanos (MDH).

“Infelizmente, os problemas no sistema carcerário e nas unidades de internação de adolescentes são antigos e crônicos. São frutos do descasos e da falta de vontade política. As rebeliões registradas no início de 2017 em presídios de Manaus e Roraima reforçam o que já temos denunciando há bastante tempo: são mais de 700 mil presos, sendo que um quarto deles em situação provisória e aguardando julgamento. O Estado brasileiro não consegue cumprir com o papel de ressocialização dos detentos e viola preceitos legais estabelecidos pelos artigos 5, 10 e 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que proíbem tratamento cruel e degradante, fala que todo o ser humano tem direito a um julgamento imparcial, justo e em plena igualdade de direitos e que fala da presunção da inocência até que se prove o contrário, respectivamente”, criticou o advogado Carlos Nicodemos.

Durante a audiência, os advogados do Projeto Legal apresentaram dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e do CNJ que revelam que o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking das maiores populações carcerárias do mundo, com mais de 726,7 mil detentos, quantitativo superior à Rússia, por exemplo. Cabe destacar que um quarto dos detentos está em situação provisória, isto é, à espera de um julgamento. Atualmente, o sistema penitenciário possui capacidade para receber pouco mais de 411 mil prisioneiros.

Unidades de internação de adolescentes

As críticas condições das unidades de internação de adolescentes autores de atos infracionais também foram debatidas durante a audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Para os advogados do Projeto Legal, não existem políticas de ressocialização aos usuários, tendo em vista que o propósito dessas instituições deveria ser o de reeduca-los para que pudessem reintegrar-se à sociedade logo após o cumprimento da medida socioeducativa.

“Queremos denunciar que o próprio Estado brasileiro viola o Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme estabelecido pelos artigo 18-A e 18-B, que trata da educação por parte de agentes públicos sem a aplicação de tratamento cruel ou degradante, humilhações, castigos físicos e no devido encaminhamento do adolescente infrator a programas de orientação ou tratamento psicológico, por exemplo. Gostaria de acrescentar que o tratamento vexatório por parte do poder público não se restringe aos usuários. Os familiares e amigos, ao visita-los, também são vítimas, por conta das revistas íntimas em que todos precisam ficar nus diante dos agentes de segurança, abrirem as pernas, se agacharem e levantarem repetidas vezes num procedimento institucional, sob o argumento de que é preciso fiscalizar e coibir o ingresso de objetos ilícitos a seus corpos, como drogas e arma”, explicitou a advogada Raquel Guerra.

Em relação as unidades de internação de adolescentes no Brasil, os advogados ressaltaram que estas permanecem superlotadas e em condições insalubres. Além disso, que as revistas durante a visita de familiares e, inclusive nos adolescentes internos, é vexatória e se se caracteriza por uma prática humilhante que viola a dignidade da pessoa humana, uma vez que nesses estabelecimentos, os familiares ou amigos, são obrigados a ficar completamente nus diante de agentes de segurança, abrirem as pernas, agacharem-se e se levantarem repetidas vezes, num procedimento institucional, sob o argumento de que é preciso fiscalizar e coibir o ingresso de objetos ilícitos a seus corpos, como drogas e arma. E ainda mais grave que o Estado brasileiro autoriza a revista íntima e não tem sequer uma legislação no âmbito federal que proíba prática. E, ainda que existam algumas leis estaduais que proíbam a prática ou elas são objeto de inconstitucionalidade ou são leis que não são aplicadas de fato.

Visita da CIDH ao Brasil

Em novembro de 2018, representantes da CIDH farão uma visita ao Brasil, para acompanhar verificar as denúncias apontadas pelo Projeto Legal.

“Consideramos que essa visita de integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao nosso país será positiva e muito bem-vinda. Desse modo, eles poderão constatar as constantes violações de direitos humanos que relatamos e cobrar ao Estado brasileiro, Executivo e Judiciário, a adoção de medidas concretas para enfrentarmos essas questões. As prisões e as unidades de internação são fábricas de delinquentes e não exercem seu papel social de ressocialização, e as graves consequências disso são usuários sem quaisquer perspectivas de recuperação para reinserção junto à sociedade e sem perspectivas de vida quando deixam esses locais, o que fazem com que sejam aliciados por quadrilhas. Consequentemente, toda a sociedade paga por isso, com o aumento desenfreado da violência. E é contra isto que estamos lutando. Como advogados e ativistas dos direitos humanos, acreditamos que os problemas na segurança pública deveriam ser resolvidos na causa, com o Estado oferecendo uma educação de qualidade aos nossos jovens, não nos efeitos”, avaliaram os representantes do Projeto Legal.

Prisão de Lula é mencionada na CIDH

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio da Silva também foi mencionada durante a 169ª Sessão de Audiências da CIDH. O Projeto Legal denunciou o ‘uso político’ por parte da Força-Tarefa da operação Lava-Jato, que investiga um esquema de desvio de dinheiro na Petrobras. Para os advogados da ONG, o que se tornou sinônimo de combate à corrupção no país se tornou se transformou em flagrantes desrespeitos à Constituição e a tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte.

“Respeito a importância da operação Lava-Jato no combate à corrupção, mas vejo uso político e até eleitoreiro nisso, especialmente por algumas prisões arbitrárias às vésperas de campanhas eleitorais e o sensacionalismo das investigações e na seletividade de liberação de delações à mídia. Considero a prisão do ex-presidente Lula totalmente arbitrária e em desrespeito à Constituição, que estabelece a prisão de um réu após o trânsito em julgado. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram a prisão a partir do julgamento da segunda instância, mas esse tipo de decisão não pode ficar sujeita a depender do réu. Lula está entre um quarto de pessoas que não tiveram um julgamento definitivo”, destacou o advogado Carlos Nicodemos.

A Organização de Direitos Humanos Projeto Legal também frisou que muitas das prisões preventivas ultrapassam o prazo razoável estabelecido em tratados internacionais e no ordenamento jurídico interno. No Brasil, a regra nos estados brasileiros é que a prisão preventiva ultrapasse mais de 90 dias, podendo se estender por anos.

* Reportagem: Diego Francisco
** Colaborou com este texto a advogada Raquel Guerra.

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